segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Love is in the rap

Depois de um final de semana entre os infinitos papos acerca dos sentires com uma amiga muito amada, cheguei em casa com vontade de me jogar aqui em mi casa tardia e pensar um pouquinho sobre o AMOR. Recorrentemente eu venho matutando sobre isso, minha dissertação de mestrado fala desse sentimento aí e as infindas (im)possibilidades que o povo preto enfrentou ao longo da História para cultivá-lo. Meu campo de estudo é a Literatura Brasileira Contemporânea, escolhi buscar a representação do amor das personagens femininas negras na produção de algumas autoras negras do atual campo literário (só pra contextualizar). Não à toa, em meio a leituras, reflexões e sons que me acompanham atualmente, saquei que eu deveria buscar a representação do sentir também no rap, aquele encarado como música ruim por muitos e como literatura por quase ninguém.
Não querendo me aprofundar (ahora) no estatuto do que é literário ou não, o questionamento que me impulsionou a compreender a relação do amor sendo representado no rap foi, justamente, o incômodo que isso causa.  Como assim esse tema UNIVERSAL que está em tudo quanto é música, desde que arte é sentimento, é tema proibido especificamente no gênero rap?
Volta e meia, meia e volta as críticas acerca das “novas” inserções temáticas no rap promovem debates intensos na cena e uma pá de gente sem noção fica por aí falando que a raiz contestatória desse gênero está sendo desrespeitada, uma vez que tem gente querendo cantar o amor. #MeuSonoVoltando2! Minha percepção é  que novos grilhões são forjados de maneiras sutis ainda hoje (nem tão sutis, na maioria das vezes) e o amor acaba atuando como artigo de luxo “permitido” a poucos, forte isso né?! Mas tem seu fundamento...
“Precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar” reflexão de bell hooks  em  “Vivendo de amor” (2006). Nesse artigo, a autora fala sobre a relação dos negros e negras com o afeto, sendo o foco para as últimas, tal questionamento me levou a pensar que essa capacidade de amar “impedida” estava fortemente representada em algumas obras de autoras afro-brasileiras, mas percebi também que isso vem sendo ressignificado pelo rap brasileiro. A autora bell hooks  pondera que mesmo com as dificuldades, o afeto foi manobrado nos tempos da escravização e conseguiu existir algumas vezes, mas seria irresponsabilidade apagar o impacto causado pelas negações enfrentadas por quem podia ter seus/suas companheirxs e filhxs vendidxs (quando conseguiam nascer) a qualquer momento. Que amor fomentar diante dessa realidade? O rapper Emicida disse: “Como você vai sonhar com o pódium, se amor é luxo e com a grana que nóiz tem só dá pra ter ódio?”. Esse questionamento sintetiza a angústia construída nos fios dos anos de pesadas opressões e que hoje tentam forjar para o rap como amarra de criação artística.
            Teve uma galera que abraçou o debate que o rap impôs no cenário musical brasileiro do começo dos 90 e que engessou temas como a violência policial, a miséria, o tráfico de drogas, o preconceito racial e outros massacres como expressões únicas do gênero. É algo do tipo “vocês cabem nessa caixinha aqui e eu te consumo até aí, ponto”, isso funciona como uma amarra estigmatizante e muito violenta. Por que sair desse discurso que nos é tão caro e tentar expressar outros anseios tão cruciais como o amor, é visto de forma tão polêmica para alguns defensores do “rap fundamentalista” e (mais preocupantemente) para uma mídia que usa isso da forma que melhor lhe convém?
Em outro post eu falei sobre o livro Mulher e escrava, de Sonia Giacomini , nele a autora apresenta o resultado de uma pesquisa feita tendo como base anúncios de periódicos do fim do século XIX que retratavam os debates públicos acerca da abolição, assim como serviam de palco para vendas e aluguéis de escravizadxs.  Há um subcapítulo que fala sobre a “família escrava”: “A negação dos escravos enquanto seres humanos implicou necessariamente na negação de sua subjetividade, que foi violada, negada, ignorada, principalmente nas relações entre eles: mãe escrava-filhos, pai escravo-filhos e homem-mulher escravos” (1988: 37)Após a abolição, o homem e mulher escravizadxs foram descartadxs de maneira estúpida nas ruas, sem trabalho, casa ou qualquer coisa que possibilitasse a constituição e subsistência de uma família, o que já é sabido. Novos arranjos diante do precário foram estabelecidos, famílias matrifocais, que viram seus homens (envergonhados por não conseguirem prover seus lares) serem engolidos pelo álcool, foram sobrevivendo e pouco mais de um século depois ecos dessa história ainda são muito presentes em nossa sociedade.
Outras resistências e maneiras de se constituir diante das mazelas desse mundo foram protagonizadas pelo nosso povo, vide a história dos quilombos e a luta que nos fez o que hoje somos. Contudo, as exceções sozinhas não conseguem explicar as cicatrizes que séculos de impedimentos causaram em nossa subjetividade. Segundo Neusa Sousa Santos , em Tornar-se Negronegros e negras tiveram de “organizar e lidar dinamicamente com o mosaico de afetos” (1983: 8) uma vez que sua emocionalidade  foi e é marcada por um processo histórico forte de inferiorização. Transpor angústias, buscar aleito e protestar são alguns dos motes para muitxs artistas, obviamente que os retalhos de vidas que integram nossa história também constituiriam essa rica colcha que é a música negra.
           O rap é uma das formas de expressão desse leque tão rico e, talvez, por ser um gênero ainda novo (fim da década de 70 pra cá) esteja mais sujeito aos dedos apontados (?!).  Outra hipótese é o fato de ter surgido com forte discurso de protesto, o que pode também tê-lo engessado na caixinha da ferocidade que fica longe da do amor (?!). Também pode ser uma explicação para a polêmica da expressão do amor nesse gênero, toda a áurea de preconceitos que o envolve e isso é o bastante para explicar qualquer tipo de limitação que queiram estabelecer para o mesmo. Acredito que essa última proposição elucide melhor todas as manobras que tentam forjar para esse gênero, pois “as raízes culturais do rap e seus primeiros adeptos pertencem à classe baixa da sociedade negra norte-americana; seu orgulho negro militante e sua temática da experiência do gueto representam uma ameaça para o status quo complacente da sociedade” como bem formulou Richard Shusterman (1998: 143). Outras vertentes da música negra falam de do amor e isso não gera tanto incômodo, mas como o rap surgiu com a banca da ameaça necessária, a atuação do amor como tijolo na construção dessxs rappers em suas canções destoa daquilo que se “aprendeu” a esperar dele. Esquizofrenia é pouco pra tentar explicar esse caminho torto! A lógica dos guardiões do status quo não deveria ser: antes falar de amor que das opressões infinitas que incessantemente edificamos para essxs excluídxs? Meu palpite é que exista mais subversão em amar que em vociferar até a mudez ou rouquidão, trata-se de uma revolução silenciosa e sentida por uma periferia mundial que se re(inventa) pelas vias do afeto. O rap expressa problemas locais dos respectivos guetos de seus/suas compositorxs, mas a globalização (que também tem seus males) permite um diálogo entre essas localidades periféricas formando uma ponte intensa de samplers e significados.
Tem gente pegando o tijolo-amor e tentando destruir o barraco inteiro. Os senhores, no período colonialista, decidiam o destino de possíveis famílias negras, decidiam sobre seu amor. Hoje, constituímos um grupo social ainda imerso em 99 problems, mas que quer, pode, deve, tem que, necessita AMAR! Tentar decidir sobre o nosso amor é démodé (como diria vóvis), vocês estão atrasadxs alguns séculos, esse poder aí é datado e COM CERTEZA foi sabotado em várias formas de resistência cotidiana que forjamos durante nossa história. Logo, nem nos anos de negreiros navios, o poder imaginado absoluto sobre nossos corações foi totalmente alcançado. Agora mesmo é que não vai rolar, nem vem de garfo que hoje é sopa (como diria vóvis novamente). O rap veio sabotar certos raciocínios com seu amor possível.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Mulher no rap só quer roupa justa e rebolado? As Marias respondem...

No começo da semana passada, uma reportagem sobre três cantoras de rap foi veiculada no portal G1:   http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/01/rap-feminino-brasileiro-prefere-cantar-felicidade-protesto.html. Antes de escrever minha opinião sobre o que ali foi construído, ponderei que o blogueiratardia poderia se tornar um blogueira-que-só-quer-falar-de-rap-tardia (rs), mas é fato que quando estamos próximos de algo, as convergências e acessos funcionam de forma a nos levar pra dentro daquilo que se tornou íntimo, de uma forma muito fluida.
O texto do G1 propõe, já no título, a correlação: mulher no rap = alienação e homem no rap = protesto.  A jornalista elegeu Karol Conká, Flora Matos e Lívia Cruz como seu recorte dentro das vozes femininas do rap brasileiro e argumenta que as letras dessas expressam sentimentos de felicidade, relacionamento e de amizade como sua temática principal, em detrimento de uma expressão do protesto, mais condizente com os fundamentos do rap.
Troféu joinha pra amiga jornalista que vacilou no começo, no fim e no meio da reportagem. No subtítulo da matéria, a autora diz que as cantoras pregam o fim do sexismo no rap, transpondo um mote reiterado por várias vezes no discurso dessas artistas. No entanto, afirma que tais cantoras são “sensuais e pouco engajadas”, fazendo um verdadeiro desserviço para a luta das mesmas que querem demarcar seu espaço dentro de uma cena cerceada e, ainda, estigmatizada para as mulheres. Alguém avisa pra colega que ela nada mais fez do que reafirmar o discurso do sexismo que constrói as amarras das performances e delimita violentamente os espaços de figuração destinado às mulheres e ao “feminino”. A caixinha dos seres sensuais e burros, para usar os estigmas eleitos pela jornalista, é a morada forçada que o discurso machista forjou para desqualificar as iniciativas femininas em quaisquer frentes.
A mesma mídia que diz que o rap “atual” é pouco engajado, ao se referir a novos destaques da cena, muda de ideia ao contrapô-lo ao rap feminino “alienado e vestido para matar”. Ou seja, ao aproximar o rap supostamente diluído masculino ao das garotas que estão construindo seu espaço nesse estilo, aquele imediatamente se transforma em campo de protestos ferozes. Ai que sono, hein gente???!!! Isso é evidenciado quando a jornalista diz que as cantoras não estão ligando pra falta de amor em SP ou para as desigualdades sociais, mas sim para roupas justas e o rebolado. A mídia que modela a forçada batalha entre diferentes gerações do rap (falei disso aqui ó: http://blogueiratardia.blogspot.com/2012/01/geracao-que-revolucionou-geracao-que.html), dizendo que ele agora está diluído com açúcar e afeto, agora o toma como altamente crítico e combativo. Tudo depende da perspectiva de que se fala, sobre o quê, em detrimento de quem.  #nonsense
Não é de hoje que as práticas associadas ao feminino são diminuídas nos mais diversos campos, a velha conhecida misoginia.  O século XX foi marcado por conquistas árduas das mulheres no espaço público, porém fazer-se presente no mundo do trabalho não foi garantia de que o respeito inexistente na casa patriarcal seria alcançado. Diminuir, desmerecer, sensualizar, rebaixar o trabalho, as ações e inteligência das mulheres foi a roldana da engrenagem encontrada pelo capital que precisava do trabalho feminino, mas que também devia continuar forjando as práticas responsáveis pela manutenção do poder masculino. É né, onde quer que estejamos, seremos diminuídas e nosso discurso será estigmatizado. =O
Não espero nada de melhor vindo da mídia, a matéria é um erro, também não é o momento de falar dos enfrentamentos diários que essas cantoras protagonizam dentro do movimento Hip Hop (isso merece um post exclusivo;) ).  Resolvi escrever falando do que conheço minimamente e do que responde a acusação de alienação, baladismos e afins feita às meninas que escolheram não mais engolir os sapos. Das três rappers citadas na reportagem conheço, de fato, o trabalho da Karol Conká e discordo demais do alheamento que jogaram pra ela.
A cantora tem muitas músicas que retratam o universo da balada, dos agitos e que muito me apetecem (hehehe) e isso é geracional, eu acho. Nós duas temos 25 anos e tenham certeza de que mulher preta, dessa faixa etária, que quer mais da vida do que um marido-meia-boca e uma casa-com-cheiro-de-detergente, que estuda e trabalha há milianos quer mesmo se divertir um pouco nesse mundo que nos quer silenciadas e tristes. Eu tô tipo querendo ser amiga dela neh?! (hehehe).  Enfim, além dessa temática que também evidencia a afirmação de uma autoestima adquirida num processo doloroso, Conká canta os preconceitos que enfrenta por parte de rappers que julgam seu trabalho como inferior e fala também de questões muito específicas às mulheres negras.
Esse é o caso da letra “Marias” a minha mais querida nos últimos tempos, que problematiza e evidencia a perspectiva identitária esfacelada de uma jovem negra que se vê diante do dilema da impossibilidade amorosa. Karol Conká aborda em sua letra algumas problemáticas que desestabilizam essa jovem ainda em formação e, de forma muito original dentro do arcabouço temático das letras de rap nacional atuais, adentra ao tema do alisamento dos cabelos e as implicações que o mesmo imprime nas vivências das mulheres negras.
No artigo “Alisando nossos cabelos”, bell hooks    constrói de forma bela e tocante um texto que se inicia associando o rito de “alisar os cabelos” ao momento de transição do ser menina para o ser mulher, era o que a autora e suas irmãs almejavam ansiosamente alcançar. Os primeiros versos da letra de Karol Conká dizem: “Escrevendo histórias vivendo cada segundo / Nomes do passado que ainda percorrem o mundo, / orgulhando envergonhando / muitas se sentem sobrando / sem estímulos na vida algumas seguem se enganando”. As jovens negras são aquelas que “seguem se enganando” em busca de uma aceitação dentro da sociedade que tem seus corpos como abjetos, mais adiante na tentativa de sentirem-se aceitas, tais jovens procurarão, no processo de alisamento dos seus cabelos, a solução para findar com a vergonha que sentem de seu corpo.
Na segunda parte da letra, Conká evidencia a possibilidade de uma existência positiva para essas jovens negras, mesmo ainda estando envoltas no berço de ausência de estímulos que as ofertassem outra vivência no mundo: “Sempre existirá aquelas que fazem a diferença / Não pensam em recompensa / Que tem caráter presença / Sempre te ganham licença / Chegam com classe decência / Tem argumentos propensos / Milhares já muito mais querem sempre um pouco mais”. Esse contraponto é bastante interessante, uma vez que não fecha o leque daquelas jovens negras, a música aqui atua como uma mídia que segue caminho oposto àquela que massacra esse segmento com representações estereotipadas apenas.
As jovens negras (nozes!!) referendadas na letra de Conká são profundamente afetadas por essa mídia que diariamente prega a beleza pautada na branquitude como única possibilidade de ser bela. Isso acaba levando-as por uma incessante busca do corpo mais semelhante possível ao do branco, sendo o cabelo crespo a antítese desse ideal, sua modificação atua como porta de entrada para o mundo “socialmente aceito”. O refrão de “Marias” enuncia: “A mocinha quer saber por que ainda ninguém lhe quer / Se é porque a pele é preta ou se ainda não virou mulher / Ela procura entender porque essa desilusão / Pois quando alisa o seu cabelo não vê a solução”. A autora bell hooks , no texto acima mencionado, faz um compêndio acerca das transformações sofridas pelo ritual do alisamento:  de momento íntimo de trocas entre mulheres negras até chegar no “rito” mercadológico e dolorido que figura o processamento químico atualmente. As jovens negras problematizadas nessa canção estão inseridas no contexto mercadológico-doloroso no qual os processos químicos de alisamento são explorados ao máximo.
No que diz respeito às relações afetivo-amorosas, bell hooks  conta da sua experiência como professora e dos relatos que ouviu de algumas alunas negras e concluindo que: “As mulheres negras heterossexuais falaram sobre o quanto os homens negros respondem de forma mais favorável quando se tem um cabelo liso ou alisado” (2005). O eu-lírico dessa canção evidencia o problema da jovem negra brasileira contemporânea que se vê subjugada e preterida nas relações afetivas mesmo após ter se submetido ao processo de alisamento químico dos cabelos.
Beatriz Nascimento ♥, no texto “A mulher negra e o amor”, disse que o ideal de branquitude “é uma violência invisível que contrai saldos negativos para a subjetividade das mulheres negras, resvalando na afetividade e sexualidade destas” (1990). Nos últimos versos, Karol Conká diz sobre a jovem negra: “Sai de saia justa, salto alto, miniblusa / Se sentindo madura com vergonha da pela escura / Se decepcionando com o reflexo do espelho / E querendo o mesmo visual dourado da modelo”. Percebemos a influência direta da não aceitação do corpo negro sendo posta em contraponto ao ideal branco de beleza, a compositora articulou de maneira muito sensível o dilema da dor vivido por jovens negras.
Acho que eu vi muito mais do que roupa colada e rebolado e vocês? Acredito que através de pequenos arranjos, como esse articulado por Conká a partir da arte, a formação identitária de uma nova geração de meninas negras será estabelecida de maneira menos dolorosa, ou pelo menos com um fundo musical mais expressivo para as mesmas.

Link para vocês ouvirem “Marias”: http://www.youtube.com/watch?v=139YlOe8uXg


domingo, 15 de janeiro de 2012

É comum e é "normal": racismo na minhoca de metal

O texto abaixo foi escrito pelo amigo Paulo Rhasta, ator e produtor cultural carioca, que presenciou mais uma cena do racismo brasileiro que muito “CORDIAL” te “pede pra sair com aquele jeitinho”.

Foto feita por Paulo Rhasta na ocasião
Hoje, ao utilizar nosso transporte público, me deparei com mais uma cena do cotidiano pouco comum. Um homem, em situação de rua, de melanina acentuada, aparece andando na estação do Estácio na plataforma oposta à minha, chamando a atenção de todos que estavam ali para embarcar. Logo em seguida ouvimos pelo auto-falante os seguranças sendo acionados e imaginei na hora o porquê. Rapidamente, chegou um segurança que o abordou, com a educação que é treinado pra ter mesmo sem vontade, aquele homem que nada fazia, apenas esperava o seu transporte. Quando eu e uma senhora entendemos a situação, sem combinar, partimos para o outro lado a plataforma para saber por que aquele cidadão estava sendo convidado a ser retirado da estação.
Nos aproximamos e perguntamos ao guarda porque ele estava sendo retirado, ele nos respondeu:
- Estamos averiguando se ele pagou passagem.
- Mas ele esta dizendo que pagou e que embarcou na estação de Tomas Coelho e que está indo para Botafogo.
- Mas ele não pode transitar dentro da estação descalço.
Na mesma hora saquei minha Havaiana branquinha que estava na mochila que tinha acabado de comprar e dei para ele.
-E agora?
- Tenho que esperar meu supervisor responder seu ele pagou passagem ou não.
Na mesma hora eu e a senhora nos propusemos a pagar a passagem, mas o segurança não deixou.
Resumo da historia: perdemos três trens esperando a resposta, porque aquele homem estava sendo impedido do seu direito de ir e vir de metrô, uma resposta que não ía vir nunca. Embarcamos eu, ele e a senhora. 

Por Paulo Rhasta, dezembro de 2011. 

* Rhasta, infelizmente o racismo nos oferta cenas como essa diariamente, pouco comum mesmo é fazermos algo diante delas, sei que muitas vezes a gente se cansa, mas será sempre preciso existir aquelxs que estranham. Você e essa senhora fizeram a diferença. Somos poucxs, mas acreditar que faremos algo que modifique o Brasil da Central nos faz caminhar. Asé!

** Amigo, tive de colocar um título para postar o texto. ;)

*** O blogueiratardia é também espaço de partilhas não umbiguistas!! Amigxs, seus textos são sempre bem vindos por aqui. ;)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Por nós, por amor

Todo mundo já foi a um show em que os sentimentos pareciam transbordar do palco até você, x da poltrona, na velocidade da luz. Isso ocorreu comigo terça-feira, no espetáculo emocionante da Ellen Oléria e do Gilberto Gil. O velho tropicalista baiano que me desculpe, meu pai, que me ensinou a amá-lo, que me desculpe também, mas o sentir aos rios veio até mim através da voz e magia da amiga Ellen.
Uma noite especial na companhia da minha irmã apenas. Duas sistas, mãos dadas, cumplicidade, risadas, micos de míopes que sentam nas poltronas erradas e o “falar no olhar” que é raro à maioria das relações. Quem já viu apresentações da Ellen Oléria sabe a natural luz que dela emana e as traduções do sentir, do entristecer, do amar e do guerrear que ela imprime em sua poesia, seja ela nova ou antiga. A emoção está sempre presente quando a vejo, mas naquela noite foi diferente, talvez a atmosfera menos agitada do Centro de Convenções tenha proporcionado uma intimidade maior para eu e minha irmã que aproveitamos o conforto e aconchego para ouvirmos várias músicas com os dedos entrelaçados.
Lá pelas tantas, chegou a hora de a Ellen trazer nossa mãe ali pro meio da apresentação, SALVE, nega! Não sei o que escrever para saudar a “Antiga Poesia” que é o hino mais belo que os movimentos de mulheres negras poderiam ter. Clementina, Lecy, Jovelina, cotistas, caribenhas, clandestinas, negras da América Latina, minha mãe e avós todas ali juntas, entre nossas mãos, calor, história e lágrimas que inevitavelmente transbordaram como que querendo encontrar o sentimento que vinha daquele palco, sentir de toda uma vida.
Vidas de poesia sem maestria, de quem teve de trabalhar e não pode estudar, esquentando a barriga no fogão e esfriando na bacia de água fria. Essa é a ordem do dia de mulheres pretas nos recantos mais escondidos e diferentes desse mundo e sei que todas elas sentirão a mesma coisa que eu e minha irmã sentimos quando ouvirem essa canção.  Sentirão um êxtase, um conforto, uma melancolia de história dolorida também, mas que combinada com uma mescla de coração que bate em compasso íntimo e singular, soprará fôlego de guerra imediato nessas Dãdaras e Akotirenes.
Tudo no mundo converge muitas vezes, não sei qual é a liga da vida que faz com que acontecimentos aleatórios tomem dimensões importantes na nossa trajetória. Sabe quando um livro cai na sua mão e parece que caiu foi a maçã do Newton na sua cabeça? Foi o que rolou com o Mulher e escrava (1988), da Sonia Maria Giacomini, fruto de uma pesquisa feita tendo como base anúncios de periódicos do fim do século XIX. Os estudos acerca da mulher negra escravizada são escassos (novidade?!) e diante dessa realidade, a autora se propôs a fazer um estudo acerca das relações sociais vivenciadas por essas mulheres no período da escravidão.  Nessas páginas, versos da “Antiga poesia” estão materializados em fragmentos de vidas da nossa linhagem, de uma forma muito compromissada e densa.
Passei a leitura toda mastigando as pedras que tivemos de carregar (lembrando que isso quebra dentes e causa indigestão). Banguela e com o estômago duro, topei correr (atrasadona porque também estava acabando de fichar esse livro) até esse espetáculo solvente de pedregulhos e ourives do momento-joia-preciosa que vivenciei, o que valeu muito por todas as penas e me refez ali, por nós, por amor.

*Esse post tem milhões de referências diretas às músicas da tão querida e inspiradora amiga Ellen Oléria. Vídeo da “Antiga Poesia” aqui ó :http://www.youtube.com/watch?v=iwbWZuVkI0w
 **As irmãs Andressa e Krissiane agradecem ao amigo Abayomi Mandela pelos ingressos. Valeu, pretinho! =)
***Janeiro é mês das minhas poemas Cida e Kriss, mãe e irmã capricornianas, pode?! Esse post é de vocês! As amo muito! =*

domingo, 8 de janeiro de 2012

A geração que revolucionou, a geração que vai revolucionar...

Só agora eu resolvi comentar a entrevista que o Dexter deu essa semana pra MTV (tá aqui ó: http://mtv.uol.com.br/musica/dexter-midia-quer-criar-movimentinho-paralelo-ao-rap  - não disse que eu era tardia?!). Pois bem, assim que a li, me recordei que, no fim do ano passado, assisti a um show fera do Emicida com o Dexter no Centro Comunitário a UnB. Lembro-me de ter ficado louca porque antes deles entrarem no palco, rolou o X, ex- Câmbio Negro, cantando Sub-Raça (nunca tinha visto ao vivo).  Na hora que testemunhei Dexter e Emicida cantando juntos, naquele palco (nas universidades brasileiras apenas 2% dos alunos são negros? LEMBRAM?! AÇÕES AFIRMATIVAS MODIFICARAM ESSA ESTATÍSTICA, mas isso é outro assunto), redoma-mór da elite, só pensei isso: tiveram que engolir a “sub-raça”.
É evidente o respeito mútuo existente entre os dois artistas. Na entrevista em questão, Dexter reconhece o trabalho dos companheiros Emicida e Criolo, porém, faz suas ressalvas em relação ao uso que esses fazem da mídia ou do uso que a mídia faz desses. O que eu consigo ver é o trabalho da mídia corporativa sendo feito de maneira bastante eficaz, Dexter, no fim das contas, acaba sendo subutilizado por ela como lenha de uma fogueira que a mesma não pretende apagar tão cedo, atiçando fogo no “movimentinho paralelo” que ele mesmo denuncia que ela promove.  Esfacelar e tornar antagônico o trabalho de duas gerações com acessos, vivências e experiências diferentes (mas nem tanto) é tentar fazer um duelo MMA RuthXRaquel (Mulheres de Areia, todxs sabem, hehehe) rolar num pseudo-octógono do rap.  Concordo com o Dexter quando ele fala que é preciso cautela pra lidar com a mídia, discordo do Emicida quando ele diz que a TV é um grande veículo que leva informações, enfim, sem pesar de fato o trabalho de silenciamento que ela promove para “levar informações”. O fato é que o extremismo dos 8 ou 80 é fadado ao fracasso, e isso já é um é clichê. Dexter pode agir como uma peça de dama na mão dessa galera que quer vender um embate, e não um debate, para outra galera-criada-a-sustagem-e-leite-ninho- que- passa- os- domingos- no- parque.  Emicida escolheu levar suas críticas pra dentro da Casa Grande, mas ainda fica o receio do reduto de Gilberto Freyre maquiar sua denúncia transformando-a na falácia democracia que só funciona na literatura.
Para além de não comprarmos o MMA que a Maldita Mídia Anencéfala nos quer empurrar, é preciso olhar diacronicamente para o rap brasileiro e perceber o chão bem fundamentado que a “geração que revolucionou” construiu para que a “geração que vai revolucionar as novas” pudesse existir. A música sempre será um movimento, uma dinâmica social que transpõe os conflitos que presencia para seu fazer subjetivo através de vozes inseridas nos mais diversos lugares de discursos. O início da década de 90 apresentava o cenário de uma geração que começava a esquecer do sabor do chumbo na boca, isso falando da classe média, imagina o povo preto pobre que gosto não sentia? O do VAZIO, certamente. É evidente que o surgimento do rap, uma música que queria e quer vociferar contra as mazelas, naquele momento, se daria da maneira mais acirrada possível e isso é algo que ninguém nunca vai conseguir tirar do rap. Tive uma paixonite pré-adolescente por um rapaz de Taguá, apelidado “Preto tipo A”, que correspondeu ao meu interesse e falava pros amigos que ía “buscar a preta dele no portão da escola”. Ali, através daquelas vozes graves que enunciaram o negro drama para todo o país, me percebi preta. Essa foi A revolução que geração que revolucionou ofertou à minha. A galera nova que vai aos shows do Emicida, muitas vezes, tem o primeiro contato com esse fundamento do rap brasileiro através do set do DJ Nyack nos intervalos, adolescentes conhecem Sabotage, RZO, Racionais, 509E e, assim, a geração que vai revolucionar estabelece a linha do tempo do rap e saúda os antecessores para construir sua trajetória.
Anos se passaram, o tempo de me buscarem no portão da escola também, cursei a universidade (COTISTA, SIM!) e agora me enveredei no Mestrado. Minha trajetória e a da minha família acompanharam as mudanças empreendidas no seio da sociedade brasileira nos oito anos do governo Lula. O aumento relativo do poder de compra das classes mais baixas e o surgimento de políticas públicas (nunca antes vistas na história desse país) direcionadas a quem sempre morou no barraco de pau lá da pedreira, sacudiram o cenário social atual. Hoje, existe uma geração com novos anseios de revolução, uma pá de gente que faz seus corres e agora viaja de avião, faz um rolê no shopping ou compra um tênis maneiro, mas que, ainda, vê a moça do check-in fazer cara feia para atendê-la, ainda se percebe persona-non-grata quando entra em certas lojas e vê a legitimidade de suas conquistas materiais sendo postas em xeque constantemente.  A leitura que faço do rap, que a mídia corporativa tenta fagocitar atualmente, é que ele põe pra jogo o sentimento de quem hoje, minimamente, se desloca. Zygmunt Bauman, em Cidadania e Globalização: as consequências humanas, diz que muita gente ainda está imóvel e vê seu único chão “deslocar-se sobre seus pés”, não podemos cair na ignorância de achar que está tudo lindo e a mobilidade é uma benesse do mundo globalizado. Porém, (ainda bem que HÁ PORÉM nesse caso) paulatinamente,  estamos galgando espaços, enegrecendo-os e contrariando as estatísticas. Daí que se em meio a esse não-lugar a gente ouve um cara, que podia ser um primo nosso, dizendo que tá cansado de “só os ternos serem pretos nos lugares chiques” rola uma gargalhada-alívio de quem encontrou compreensão e pensa que ele sacou tudo.
Trata-se de uma geração do rap que está revolucionando outra, a juventude 90 (preciso dizer que já não é a minha? rs),  uma galera que cresceu lançando mão de ferramentas muito interativas, numa velocidade louca, fragmentados diante de muitas identidades, que se ama muito (quantas fotografias, cores, auto-culto...hehehe) e que, por isso mesmo, quer ouvir sobre o afeto  também! Cada revolução tem suas especificidades e as atuais têm na rede, seu campo de mobilização, uma ferramenta preciosa. Essa sim, eu acredito, consegue burlar a mídia-meia-boca e fazer-se projetar de forma menos mediada e manipulada.  Somos pretxs em movimento, como já disse o Mensageiro da Verdade Bill, e o que a mídia esquece de ressaltar é que para essas duas gerações revolucionárias do rap a máxima “você sai do gueto, mas o gueto nunca sai de você” é o que as unifica, morô, irmãos(as) ?


domingo, 1 de janeiro de 2012

Borboleta no concreto

Gente à moda antiga gosta mesmo é de bloquinho, canetas coloridas, lápis bem apontados, folhas texturizadas, enfim, todo o universo encantador alimentado pelo mundo das papelarias. Gosto desse infinito-particular-do-papel, tenho e cultivo tudo isso com prazer de criança que ganha o primeiro giz de cera. #OldSchoolNaVeiaVéi ;)
Mas depois de nascer e crescer – em certa medida - (reproduzir, AINDA NÃO; morrer, BEEEM ADIANTE, plis!!), me sinto como essas borboletinhas azuis aí, metamorfoseando nessa vida concreta dos abstratos pensamentos...
Ponderei que deixar o abstrato fluir no irreal internético é possível pra mim hoje, se até Pokemón evolui, é hora das letras-andressa’s permitirem-se conhecer o além claustro-cadernístico a elas reservado.
Eu, tardia, aqui escreverei sobre o que quiser despejar, mesmo que não seja mais o assunto em voga, afinal, sou TARDIA e preguiçosa –quase-sempre...hehehe...

Essa é a foto de um grafite publicada no perfil facebookiano do Street Art Utopoia: http://www.facebook.com/streetartutopia?sk=info